Agora, parte desses veículos não passa de 40 km/h! Então só há uma forma deles entrarem no fluxo de uma rua mais movimentada: simplesmente entrar! E os motoristas venezuelanos parecem ter encontrado essa forma de convivência pragmática: quem vem vindo reduz ou muda de faixa se possível (às vezes mesmo que não seja possível) e aquela carroça pré-histórica entra para ocupar seu espaço (e haja espaço) na via.
E não acabou: boa parte desses enormes Fords e Chevrolets são taxis. E taxis aqui não só param em qualquer lugar e de qualquer jeito, mas fazem lotação. Ou seja, vão parando e recolhendo passageiros pela rua. Encostar? Nem pensar! Aliás, carros que não são taxi também vão recolhendo pessoas pela rua - parece que particulares encontraram uma forma de ganhar uns trocados complementando os serviços de taxi.
Mas essa história de parar no meio da rua não é privilégio dos taxistas ou 'coletivos': todo mundo faz isso para embarcar ou desembarcar alguém, fazer perguntas a um transeunte ou qualquer outra coisa que seja melhor fazer com o carro parado. E nem perca tempo buzinando, dê um jeito de sair de trás dele e seguir seu caminho.
Dá para imaginar a velocidade média das vias mais movimentadas com esses veículos transitando? Pois é, se conseguirem andar uns 350-400 quilômetros em um dia considerem-se privilegiados!
Foi uma parte dessa frota que enfrentamos no tal desvio, e levamos duas horas para andar 80 quilômetros!
Chegados a Puerto la Cruz fomos direto ao porto de ferries, nos informar sobre horários e condições. Realmente não havia problemas. Fomos procurar hotel, que não foi tão fácil achar pois muitos estavam lotados, e depois com calma voltamos para comprar as passagens. Nova surpresa: tivemos que apresentar cópia dos passaportes para comprar essas passagens. Cada coisa estranha que encontramos aqui!
Almoçamos um belíssimo (mesmo que nadando em gordura) camarão frito em alho, precedido de uma deliciosa sopa de pescados, num restaurante perto do atracadouro das balsas. Outra característica que parece valer em todo o país: restaurantes perto de zonas portuárias, centro de cidade degradado e similares só servem almoço. Esse onde comemos ficava num complexo de diversos restaurantes, e quase todos já estavam fechando enquanto comíamos - eram aproximadamente 16h30. Realmente há zonas urbanas em que o próprio comércio não arrisca ficar depois do anoitecer.
Na volta para o hotel a surpresa: a orla da praia havia se transformado numa muvuca digna de qualquer praia do nordeste brasileiro: barraquinhas de artesanato e comida por todo lado e gente, muita gente! Chega a ser curioso, pois Puerto la Cruz não tem praias de qualidade, e é basicamente um ponto de apoio para o deslocamento a Isla Margarita e outras ilhas. Mas parece que esse movimento, talvez associado a turistas que de lá visitam praias nas redondezas, já garante um bom público - há diversos bons hotéis a preços relativamente altos.
23-24/04/2011 - Sábado e Domingo: Isla Margarita
Às 5h30 acordamos para pegar o navio-balsa para Margarita. Isso porque exigiam um prazo de uma hora para chegada e confirmação de embarque. Exagero, claro, pois havia quatro carros além da moto para embarcar. Mas preferimos não arriscar.
A viagem é bonita graças à costa muito rica em ilhas e enseadas, mas monótona: no navio convencional, que tomamos, são quatro horas - existe um expresso que leva duas, mas custa bem mais.
Isla Margarita é muito grande! Seguindo indicações de pessoas com que conversamos em Canaima, procuramos primeiro por hospedagem na praia El Yaque. Essa praia é mundialmente famosa na comunidade de windsurf, mas é meio complicada em termos de hospedagem: tem até hotéis muito bons, mas caros e mesmo alguns desses não oferecem estacionamento fechado - é simplesmente um cercado do outro lado da rua.
Não conseguimos chegar a uma conclusão e seguimos para Playa el Agua, a praia mais badalada da ilha. Do porto de desembarque até Playa el Agua são 50 quilômetros daquele trânsito que já descrevemos: fácil, fácil uma hora ou mais de viagem. Alás, desde Puerto La Cruz paramos de manter controles sobre tempos de deslocamento, pois o para-e-anda de procura de hotéis ou feitura de fotos associado ao trânsito maluco tornam esse tipo de controle meio sem sentido.
A Playa el Agua é bem mais urbanizada e estruturada, e lembra um pouco Ubatuba/SP: uma rua corre ao longo da praia, e entre essa rua e a areia há um monte de restaurantes e quiosques. Do 'lado de dentro' da rua ficam os hotéis. A diferença é que alguns dos restaurantes com pé na areia são bem estruturados, confortáveis e de qualidade. É muito legal sentar-se a uma mesa com toalha e guardanapos de tecido, comendo bem (apesar da lesminha - filhote de escargot? - que a Beth encontrou na salada dela - quem manda ficar olhando com tanta atenção) e com a areia a vinte centímetros do pé da mesa.
Por indicação nos hospedamos no Hotel Marlin, mas se alguém for para lá, dê uma olhada nos três ou quatro outros hotéis que há na mesma rua do Marlin: nos pareceram mais baratos e melhores.
E afinal, como é Margarita? Muito bonita, com paisagens lindas e praias bonitas e agradáveis. Mas desse ponto de vista, nada que não tenhamos tão bom ou melhor na costa brasileira. As diferenças:
- A água do Mar do Caribe, verde e translúcida, transformando qualquer cantinho de costa num paraíso para mergulho.
- O cuidado com a própria praia: os hotéis colocam guarda-sóis e cadeiras na praia, e quando estes são recolhidos no fim da tarde passam coletores de lixo (não sabemos se dos próprios hotéis ou da municipalidade) limpando a praia. E os próprios frequentadores levam seus saquinhos de lixo, de forma que a praia é muito mais limpa que as nossas nas mesmas condições.
- Além dos restaurantes e quiosques há vendedores de frutos do mar frescos ao longo da praia: caranguejos, ostras, camarão, mariscos, etc.. E a praia continua limpa!
O legal aqui (e na Venezuela toda) é que se consegue comer bem por preços incomparáveis com o Brasil: numa das refeições comemos uma salada Caesar com camarões e uma Parrilla de Mariscos (frutos do mar grelhados) por menos que R$ 40. E a variedade de frutos do mar é espetacular: camarões (em dois tamanhos), mariscos, lulas, polvo e uma concha que não sabemos qual é.
No domingo fomos dar uma volta na ilha - rodamos mais que 100 quilômetros, com o mais bonito na costa norte, que tem um jeitão de Rio-Santos, com direito a um hotel gigantesco (acreditamos que inclusive no preço), incluindo um belo campo de golfe.
Também passamos na estação de ferries para assuntar a questão da volta, e o susto foi grande: não dava nem para chegar perto de um guichê para obter informações: era gente para tudo que é lado.
Saímos de lá em dúvida se conseguiríamos voltar para o continente na segunda-feira como planejado. No hotel também não nos animaram muito, mas deixamos para resolver isso no dia seguinte.
25/04/2011 - Segunda-Feira: Isla Margarita - Puerto la Cruz - Cumaná
No fim das contas decidimos arriscar: juntamos a bagagem e seguimos para a estação de ferries. A bagunça ainda era grande, mas muito menor que no domingo. Depois de algum tempo tentando entender em que fila ficar perguntamos num guichê onde não havia ninguém e nos disseram que não havia mais bilhetes para veículos, mas que talvez fosse possível encaixar uma moto.
Deveríamos procurar um Sr. Naldo, encarregado do despacho de embarque. Essa pessoa estaria em algum lugar ao longo da fila de carros esperando pelo embarque. Por incrível que pareça a primeira pessoa com uniforme de funcionário da empresa que abordei era o próprio. Ele confirmou que daria para embarcar a moto, e disse que eu deveria voltar ao guichê para comprar as passagens.
Ficamos mais de meia hora nessa fila esperando que uma família trocasse seus bilhetes - aparentemente o sistema de informática estava com síndrome de tartaruga. Quando finalmente consegui dizer o que queria finalmente a coisa andou: me chamaram para outro guichê onde os bilhetes foram emitidos manualmente - ainda bem que eu já tinha a bendita cópia dos passaportes em mãos.
Corrida para embarcar: quando entramos no pier de embarque estavam desembarcando outro ferry: tínhamos que tourear uma massa de pedestres misturados entre os carros em sentido contrário, auxiliados por uma fila de carros estacionados sobre o pier - não sabemos se eram taxis ou o que estavam fazendo ali. Mas deu tudo certo e embarcamos - para passar quatro horas e meia num banquinho de metal no convés, pois a área interna de passageiros, com ar condicionado e confortáveis poltronas já estava totalmente tomada pelo pessoal que embarcara mais cedo.
Chegados a Puerto la Cruz decidimos seguir para Cumaná, atraídos pela sua história: é o mais antigo assentamento espanhol na América, criado em 1521.
A viagem foi outro daqueles pesadelos viários que fazem parte deste país: uma estrada lindíssima, percorrendo pequenas serras ao longo da costa, com vista para diversas praias, enseadas e ilhas. E na nossa frente as latas velhas de sempre, associadas a caminhões (até mesmo trucados), ônibus grandes de turismo e as famigeradas busetas de transporte local.
E descobrimos mais uma faceta do motorista venezuelano: começou a chover, e mesmo os carros modernos (havia um Ford Explorer à nossa frente) começaram a andar incrivelmente devagar. Não sabemos se é consciência quanto ao estado de pneus e manutenção dos carros, falta de experiência, medo de óleo misturado com água, mas de qualquer forma aí a coisa desanda de vez. O mais surpreendente foi ver carros novos, na autopista que se abre na última metade dos 80 quilômetros de Puerto la Cruz a Cumaná, a 50 km/h! Numa pista onde, por estarmos tomando muito cuidado, andávamos a 80-90 km/h.
Bem, mais uma vez levamos mais de 1h30 para andar 80 km, e quando chegamos à cidade despencamos no trânsito de fim de dia, o que acabou nos levando a parar num hotel baseados num único critério: chega de procurar nesse trânsito caótico.
E cá estamos, pela primeira vez nessa viagem, com o diário de bordo sincronizado com o progresso da viagem. Parece que a cidade tem muito pouco de turístico, mas vamos ver melhor amanhã.
26/04/2011 - Terça-Feira: Cumaná
Realmente, Cumaná se mostrou bem pouco atraente do ponto de vista turístico. A praia da cidade é no máximo regular e pontos de visitação são praticamente só a catedral e o Castillo de Santo Antonio de la Eminencia, um nome bem maior que o próprio. Bonito, importante pelo valor histórico, mas um misto de construção antiga e moderna que até dificulta entender onde termina uma e começa a outra.
E sem guia, sem comunicação visual que conte sua história; enfim, uma visita bonita mas incompleta. Aliás comunicação visual não é o forte em nenhum lugar que visitamos ou por onde transitamos até agora.
Bem, aproveitamos para finalizar completamente a atualização do site - contamos e mostramos fotos de tudo que aconteceu até agora, e estamos nos preparando para a jornada até Mérida, que mete um pouco de medo pela dificuldade em estimar tempos de viagem. Não sabemos onde vamos parar e que condições de acomodação encontraremos. E para completar não conseguimos trocar dólares hoje e os bolívares estão no fim. Só falta a gente ter que fazer pagamentos com cartão, que serão calculados pelo câmbio oficial, mais ou menos metade do que conseguimos na rua.
Ah, mais algumas histórias relacionadas com trânsito e veículos daqui. Os semáforos têm papel puramente referencial: a maioria tem um contador de tempo até a virada, e quando eles estão vermelhos o pessoal já começa a avançar quando faltam uns dez segundos - e buzinam quando o da frente não vai. Chegamos a ver um carro que estava como terceiro ou quarto da fila buzinar insistentemente, sair da fila e furar o sinal ultrapassando todo mundo pela direita. Não ajuda muito o fato de que a maioria desses semáforos leva de 45 segundos para mais para mudar - acaba irritando o pessoal.