23/07
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Sábado
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Karonga - Iringa (TZ)
E esse foi o dia totalmente desastroso da viagem. A SAMA Tours (Darryl) cometeu um erro brutal de planejamento e outro de atuallização de informações.
Mas antes de detalhar o que aconteceu, deixe-nos explicar como é viajar de moto na Tanzânia (de carro deve ser um pouco pior porque ultrapassagens são mais difíceis que para motos). As estradas continuam sendo psita simples, com qualidade bastante variável na pavimentação. O problema começa pela travessia de áreas urbanas e vilas (muitas) ao longo das estradas: nesses trechos o limite de velocidade é de 50 km/h, e segundo o Darryl isso é literal: 51 km/h é multa! Como não sabemos onde haverá um radar (móvel) a cada placa de 50 km/h reduzimos para essa velocidade e ficamos nelas até aparecer a placa com o limite cortado por traços diagonais indicando fim dele. Para piorar, em alguns casos, felizmente não muitos, essa segunda placa não existe e ficamos rodando a 50 km/h até observar que os demais motoristas claramente aceleraram.
Não acabou: carros e caminhões lentos em profusão, e trânsito pesado nos dois sentidos reduzem muito a velocidade média nos trechos rápidos por dificuldade de ultrapassagem. Resultado: incluindo paradas, é praticamente impossível fazer um média global de viagem acima de 50 km/h.
E a jornada prevista para esse dia era de 420km mais uma passagem de fronteira!!! Aí está o erro de planejamento: só os 420 km. exigiriam, fácil, fácil, 8-9 horas de viagem. Os primeiros 80, ainda no Malawi, foram tranquilos ainda que meio lentos. A saída do Malawi também não representou nenhum problema - aproximadamente meia hora para o grupo todo. E aí ficamos duas horas e meia plantados no lado da Tanzânia até conseguir liberar as motos e a van na alfândega.
Nessa altura da guerra nossa jornada já estaria fadada a durar no mínimo 11 horas - dificilmente chegaríamos com luz do dia ao destino. Mas para completar a desastre entrou o erro de atualização de informações: perdemos completamente a conta do total, mas no mínimo uns 150 km. da estrada estavam em obras! Essas obras são tocadas por chineses, e os caras são completamente loucos: até hoje em todos os lugares que visitamos, uma obra de estrada é feita por trechos: 10 km, depois os próximos 10 e assim por diante. Aqui não: eles simplesmente estão reformando esses 150 km de uma vez!
E isso significa desvios em terra, muitas vezes areia. E assim seguiu a viagem, com alguns curtos trechos de asfalto só para aumentar a esperança de que tivesse acabado e aprofundar cada vez mais a decepção quando surgia o trecho de terra seguinte. Saímos da fronteira lá pelas 11h30, e desde as 13h00 mais ou menos estávamos nessa tortura. E continuou até que anoiteceu. Por coincidência estávamos num trecho longo de asfalto quando escureceu, e meu problema passou a ser somente o frio: estava vestido de forma leve, e não via como parar naquele estrada cheia de ônibus e caminhões para vestir um agasalho.
Mas a alegria não durou o suficiente: entramos num desvio que era pura areia, muito funda e solta. Para mim foi a última gota: eu havia visto que o Julian estava atrás de mim com a van, liguei as luzes de emergência e parei. Desci da moto e disse a ele: "para mim acabou! Não consigo continuar.". Ele perguntou o que eu queria fazer, se queria colocar a moto na carreta, e eu estava tão cansado e irritado que nem um simples "sim" consegui dizer. Respondi que ele fizesse o que quisesse, mas que eu não seguiria pilotando.
Claro que a única solução era carregar a moto na carreta, o que não é tão fácil quando somente uma pessoa envolvida tem experiência nisso. Mas Beth desceu e outra garupa, a Moira, se revelou uma ajuda inestimável: ela se comportou como se fizesse aquilo pelo menos uma vez por semana, incrivelmente despachada!
Para dar uma idéia do areião, eu movimentei a moto para que o Julian pudesse colocar a carreta na frente dela (ele havia parado atrás para me proteger) e tive que esperar que ele achasse um galho de árvore para colocar sob o descanso lateral para que eu pudesse sair - o descanso afundava na areia, ameaçando deitar a moto se eu a largasse.
Com a orientação do Julian e a ajuda inestimável da Moira conseguimos subir a moto na carreta, ao lado da moto reserva que vem nela desde o começo. E... descobrimos que não daria para estabilizar a moto naquela posição, era necessário carregá-la de ré! Descemos a moto novamente, virei a moto e alinhei com a rampa, e carregamos novamente. Daí para a frente foi o Julian colocando as correias para segurar a moto, com muito pouca ajuda nossa - basicamentre segurando a lanterna para iluminar o trabalho dele.
Agora imagine toda essa operação no escuro, com ônibus e caminhões passando ao lado nos dois sentidos, levantando aquela areia toda para cima de nós! Mas finalmente tudo ficou devidamente arrumado e achei um lugarzinho junto às mulheres no banco traseiro da van. E fiquei mais aliviado ainda por ter tomado essa decisão quando a Beth me informou que faltavam 46 km: pelos meus cálculos faltavam 20 e eu tinha sérias dúvidas se aguentaria isso por causa do frio, mais que o dobro teria sido totalmente impossível, mesmo que fosse só asfalto até o destino (e não era, mesmo depois do areião ainda pegamos mais um ou dois trecho em terra).
E o problema do grupo não terminava aí: quando falei em 'nós' aí em cima, estava me referindo ao Richard e a mim, os dois temos pouca experiência fora de estrada e ficamos para trás, os demais já estavam longe. Com minha 'jogada de toalha', o Richard ficou sozinho: ele atravessou valentemente o areião onde desisti. Mas ele não tinha como alcançar os outros e também não era fácil para ele parar para esperar pelo Julian. Mas de alguma forma ele conseguiu parar junto a um policial e aparentemente este conseguiu informar o Darryl de onde ele estava: Darryl ligou para o Julian e informou onde procurar o Richard.
E isso aconteceu praticamente no mesmo momento em que passamos pelo Richard, parado à beira da estrada. O Julian fez um 'U' na pista para voltar e, nesse meio tempo, o Richard vendo a van retomou a marcha. Cruzamos com ele menos de um minuto depois de retornar... Mais um 'U' e o alcançamos e escoltamos (Julian à frente) até o destino. O resto do pessoal estava esperando por nós na beira da estrada, na entrada do acesso ao hotel.
Nosso destino nesse dia era um local chamado The Old Farm House. É uma fazenda, produtiva, que também oferece acomodações. Nas circunstâncias, foi um anti-climax total: chegamos lá às 21h00, esgotados, sujos e tínhamos que comer antes mesmo de ir para os quartos, pois era necessário liberar o pessoal da cozinha.
A fazenda não tem nenhuma iluminação, tivemos que ser conduzidos até o restaurante à luz de lanternas. E daquele jeito, imundos como estávamos, nos sentamos a uma mesa muito bem decorada, à luz de velas, e comemos um jantar excepcionalmente bem preparado. Realmente uma pena que fosse nessas condições, não deu para apreciá-lo adequadamente.
Depois do jantar fomos comduzidos, novamente à luz de lanternas, para nosso chalé. Outra triste surpresa: um chalé lindo, com uma sala de estar com lareira, uma cama confortabilíssima e um banheiro muito bem arrumado. E tudo que nós aproveitamos dessa maravilha foi uma banho rápido e cama, pois já passava das 23h00 e no dia seguinte a jornada também não seria tão curta assim, e tínhamos que sair cedo.
A intenção do Darryl ao reservar esse local foi das melhores, mas mesmo em condições normais teria sido pena: é lugar para se ficar pelo menos duas noites para aproveitar bem.
24/07
/201
6
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Domingo
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Iringa - Morogoro
Esse dia também começou relativamente cedo, pois tínhamos 320 km pela frente, e apesar de sabermos que as obras na estrada haviam ficado para trás, nas condições de tráfego locais prevíamos um dia longo. Novamente pegamos uma variação grande de altitude, com temperaturas razoavelmente baixas, mas sem serem problema por ser dia e o céu estar aberto para o sol nos aquecer. O problema foi a serra que nos levou para o nível de Morogoro: bem sinuosa, com aquele calçamento de concreto que já deixou de ser usado há muitas décadas.
Por causa das curvas e da forte inclinação da serra alguns caminhões se moviam a passo de lesma, daria para ultrapassá-los a pé, sem pressa. E justamente quando conseguimos ultrapassar um desses encontramos o resto do pessoal parado à beira da estrada: o Darryl havia escolhido aquele ponto para fazer a parada de café. Frustrante ver o caminhão passar depois da luta que foi passá-lo...
E nesse ponto onde paramos vimos um exemplo dos acidentes que ocorrem por aqui: um container depencado numa ravina de uns 50-70 metros de profundidade. Aliás, é relativamente comum encontrar caminhões acidentados, às vezes com a carroceria, abandonados na beira da estrada. Ficamos especulando, e uma teoria é que a ausência de equipamentos adequados para tirá-los da valeta ou coisa parecida onde caíram levam a esse abandono que o seguro deve cobrir.
Outra coisa que já vínhamos vivenciando desde a entrada no pais mas que ficou mais vívida hoje é o comportamento dos ônibus interurbanos. Eles são pintados de uma forma muito berrante, que faz nos lembrar das busetas latino americanas ou similares asiáticas. Mas nesse caso são ônibus modernos, geralmente chineses ou coreanos, e dá a impressão de que o pessoal aqui 'envenena' os motores: eles andam a mais de 120 km/h, e se comportam na estrada como se tivessem prioridade absoluta: ultrapassam em situações totalmente absurdas, simplesmente piscando os faróis para quem venha em sentido contrário e jogando carros ou motos para fora da estrada caso tenham que retornar à sua pista. Verdeiros assassinos! E lembramos de mencioná-los neste ponto porque um deles obrigou o Julian a sair da pista naquela serra perigosa: simplesmente foi para cima dele. É incrível, eles não respeitam a vida dos outros e nem mesmo a própria.
A estimativa de jornada longa se confirmou: levamos 8h30 para percorrer essa distância, o que dá uma média total inferior a 40 km/h! Muito dificil! E ainda fomos apresentados ao trânsito urbano de uma cidade relativamente grande como Morogoro. Uma loucura total, com carros e motos disputando as ruas e cruzamentos sendo atravessados puramente na base da lei do mais forte ou pelo menos do mais ousado.
Mas mesmo assim chegamos no fim da tarde, com tempo para um bom banho e um drinque antes do jantar. E eu aproveitei para ir para o chuveiro com as malas da moto, botas e a calça de motociclismo, na tentativa de remover um pouco da areia que cobria tudo. Não saiu tudo limpinho, mas melhorou bastante.
O jantar nos fez lembrar de algo que já vem nos incomodando desde a África do Sul: é muito grande o número de restaurantes com iluminação irritantemente baixa. Entendemos que há a pretensão de criar uma atmosfera aconchegante e/ou romântica, e talvez estejamos ficando velhos e ranzinzas: não temos muita paciência para precisar de uma lanterna para ler o cardápio e depois comer sem conseguir enxergar a comida! E o mesmo observamos em muitos quartos de hotéis: uma iluminação absolutamente deficiente. Em muitos deles, de nível razoavelmente bom, ficamos nos perguntando como é que uma mulher consegue se vestir e se maquiar naquela penumbra.
25/07
/201
6
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Segunda- feira
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Morogoro - Dar es Salaam
Hoje a jornada seria de apenas 200 km, mas foi toda ela extremamente lenta, pois já estamos próximos de cidade grande - Dar es Salaam, capital da Tanzânia, com 5.2 milhões de habitantes.
Praticamente toda a viagem atravessando áreas urbanas, com trânsito suficientemente complicado para levar o Darryl a usar o acostamento para ultrapassagens de veículos parados. Os australianos simplesmente não sabem fazer essas coisas, e foi complicado levar o grupo todo para a frente.
E ao nos aproximarmos de Dar es Salaam observamos algo que ficou sem explicação: estão sendo construídos inúmeros postos de gasolina ao longo da estrada, além dos muitos claramente recém-construídos já em funcionamento. A quantidade é absolutamente fora de propósito (mais de dez postos em um quilômetro!) e ficamos tentando imaginar uma razão para esse fenômeno. Com a bagagem que trazemos de casa obviamente pensamos imediatamente em alguma forma de lavagem de dinheiro. Sob uma perspectiva menos 'criminal', ficamos imaginando se o objetivo desses postos poderia ser servir de dormitórios para os inúmeros caminhões que trafegam nessa estrada: os pátios em volta das bombas de gasolina geralmente são muito grandes.
E o número de caminhões é enorme, porque além de ligar cidades importantes da Tanzânia com o porto de Dar es Salaam, essa estrada (A7 / A104) é um corredor de acesso ao mar para Malawi e Zâmbia. Isso explica o movimento intenso tanto de caminhões como de ônibus, ambos atendendo aos três países. E falando nisso lembramos de outra característica curiosa dos ônibus: origem e destino são pintados no ônibus! Ou seja, um determinado ônibus faz única e exclusivamente uma rota.
Houve ainda outra surpresa nesse trecho: uma chuva daquelas que fazem cidades como Belém famosas: pancada curta e de média intensidade que deu para molhar mas não suficiente para encharcar as botas. Roupas de chuva, nem pensar: o calor era demasiado, sem contar que achar um lugar para parar nove motos para vestí-las era também praticamente impossível.
E Dar es Salaam propriamente dita é inacreditável: trânsito completamente caótico! E como estamos acostumados a vivenciar nas nossas grandes cidades, só há um jeito de enfrentar esse tipo de trânsito: esgueirar-se no meio dos carros, aproveitando cada pequena oportunidade para avançar alguns metros. Mas quem disse que os australianos conseguiam fazer isso? Eles são comportados demais para ambientes desse tipo, e foi muto chato ficar como 'ferrolho' do grupo vendo o grupo se esgarçar porque alguns simplesmente não tinham coragem de se enfiar entre os carros. Houve momentos em que foi necessário emparelhar com o companheiro e de forma enfática, beirando a agressividade, sinalizar para que ele avançasse.
No fim até conseguimos evitar boa parte desse trânsito maluco pois o GPS do Darryl nos levou num arco em torno da cidade: o hotel destino fica na costa norte, quase fora da cidade. Mais uma vez vivenciamos o que também já experimentamos em São Paulo com GPS ou Waze: ele nos leva por uns caminhos onde jamais teríamos coragem de nos meter por conta própria, e mesmo com o roteador fica-se na dúvida se ali é um bom lugar para se estar.
Mas chegamos ao hotel lá pelas 14h00 (sim, mais de cinco horas para percorrer os tais 200 km.) e fomos recompensados com muito conforto. Como em paradas anteriores, não houve menção de sair do hotel. Essa parte desse tour é um pouco frustrante: a gente acaba meio isolado do ambiente em redor, saindo quase exclusivamente para visitas guiadas, que sempre ficam sob suspeita quanto à autenticidade.
Mas também não havia muito ânimo para passeios: depois dos quatro dias anteriores estamos precisando muito de descanso!