Beth & Heinz Klein

(Moto)viagens

Diário de bordo -  Américas 2011: Canadá

Yukon

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10/08/2011 - Quarta-feira: Beaver Creek - Whitehorse

Aqui começa uma sequência de dias sem muita opção. Originalmente havíamos pensado em ir para Dawson City, por duas razões: a estrada para lá, conhecida como Top Of The World Highway por correr ao longo da crista da montanha, oferece vistas que dizem serem maravilhosas. E Dawson City é a 'capital da corrida do ouro': fica no meio do Klondike (quem não lembra do que é releia seus almanaques do Tio Patinhas) e é um marco desse período da história da região.

Infelizmente a estrada tem aproximadamente 140 km. de terra/ cascalho, e isso associado às chuvas que tornariam esse trecho bem mais desagradável e provavelmente impediriam curtir qualquer vista nos fez desistir e seguir direto para o sul do Canadá.

Desde ontem (Delta Junction) estamos na chamada Alaska Highway, estrada construída pelos EUA durante a segunda guerra mundial, através do Canadá, para criar o primeiro acesso terrestre ao Alaska e facilitar a defesa do então território. Oficialmente a Alaska Highway se extende de Dawson Creek a Delta Junction, apesar de atualmente a parte canadense dela estar subdividida em estradas federais ou locais com diferentes números e nomes.

O percurso ao longo da Alaska Highway é uma sequência de dias sem muita opção: agrupamentos urbanos que se possa classificar como cidade ou pelo menos povoado só existem aproximadamente a cada 400 km.. Particularmente no Yukon o deserto demográfico é inacreditável: a área do território é aproximadamente o dobro da área do estado de São Paulo, e a população é de 34.000 pessoas! E 20.000 vivem na capital, Whitehorse.

Mas há uma coisa que é fascinante: qualquer cidadezinha de 2.000 habitantes produz um folheto de aproximadamente trinta páginas 'vendendo' seus atrativos turísticos. A quantidade de opções e a qualidade das informações sobre elas é inacreditável.

Quando se analisa um mapa procurando alternativas de parada há algumas 'bolinhas' ao longo da estrada. Quando se chega a uma delas descobre-se que o que mereceu ser destacado num mapa é um motel/camping com um pequeno restaurante. E nada mais!!! Bem, quando não existe nada mais esses pontos de apoio se tornam informação valiosíssima.

Desde Tok e até Haines Junction estamos fazendo, no sentido contrário, o mesmo percurso da ida. Evitar isso era outra razão para querermos ter feito a Top Of The World. Bem, não deu...

Saímos de Beaver Creek como chegamos: com chuva e temperatura de 7,5ºC. Não sabemos se foi pelas condições climáticas, mas a estrada que na ida era ruim parecia bem pior. Tínhamos a impressão de que o asfalto estava mais gasto ainda e que as ondulações tinham virado imensas depressões: chegamos a bater o cavalete da moto umas duas vezes quando passávamos por essas ondulações - o cavalete desce e bate no chão. A paisagem ganhou outros ares com a chuva: nosso horizonte ficava limitado a poucas centenas de metros. Montanhas que antes pouco percebemos por estarem às nossas costas, agora estavam à nossa frente, mas encobertas pelas nuvens ou nevoeiro.

O frio e a umidade tornaram a viagem muito cansativa. Paramos três vezes, a primeira após aproximadamente uma hora de viagem, para aquecer as mãos que já estavam em péssimas condições e tomar algo quente. Conversando com o proprietário do local ele disse que no inverno a temperatura chega facilmente aos -20ºC - brrrrr!

Até a parada seguinte levamos mais tempo por uma razão muito simples: não havia onde parar! Informação para motociclistas: a 100 km/h, chuva e temperaturas abaixo de 10ºC, podem esquecer o aquecimento de manoplas: claro que sem ele seria ainda pior, mas definitivamente ele não consegue aquecer as pontas dos dedos.

Em Destruction Bay reencontramos os dois motociclistas de Nova York, e mencionaram ter tido a mesma sensação da piora das condições da estrada: sendo assim, o nosso sentimento talvez seja real.

O Yukon, pelo que vimos, só tem umas três ou quatro estradas asfaltadas. A parte norte dele é ainda habitada pela população da Primeira Nação - indígenas - e consegue-se chegar lá por algumas estradas de terra, mas o transporte realmente usado é barco ou avião.


E por falar em avião, em muitos lugares por onde passamos no Alasca, e aqui em Yukon, há pessoas que têm o seu hidroavião, ou teco-teco, estacionado no terreno onde moram. É questão de sobrevivência. Para dar uma melhor idéia do tamanho do buraco: os pioneiros preferiam viajar no inverno que no verão, porque na neve eles conseguiam avançar com veículos equipados com 'esquis', enquanto que no verão as rodas dos carroções encalhavam na lama! Devia ser a mesma chuva que pegamos!

E há estradas que durante o verão fecham devido ao degelo dos rios: o rio congelado é a estrada!

Em Whitehorse, depois de nos instalarmos e almoçarmos/jantarmos fomos dar um passeio na margem o rio Yukon, que nasce em British Columbia, atravessa todo o Yukon, e depois cruza o Alasca para desaguar no mar de Bering. É um rio com grande volume de água, transparentes e nessa época cheio de salmões. Em Whitehorse há uma ponto onde se pode ver os salmões subindo o rio para desovar - não deu para visitar graças à chuva.


11/08/2011 - Quinta-feira: Whitehorse - Watson Lake

Este dia foi muito ruim! Saímos de Whitehorse com chuva, 9ºC e choveu durante toda a viagem, com temperatura sempre abaixo de 10ºC, chegando a 7ºC.. Foram aproximadamente 430 km. em que só paramos duas vezes, por absoluta falta de lugares onde parar.

A primeira parada, em Johnson's Crossing, foi uma dessas 'bolinhas' do mapa que se revela uma padaria, com 4-5 quartos de motel e um camping. Mas o lugar é muito simpático, com uma varanda externa com mesinhas e guarda-sóis - e esses guarda-sóis são eficientíssimos: eles guardam o sol só para eles e a gente nem pode vê-lo ou sentí-lo.

Tomamos chocolate quente e uma tortinha de massa folheada com recheio de geléia de blueberry e com cereja, que estavam deliciosos. Eles mesmos fazem a geléia e a massa, além de pão caseiro e vários outros doces e tortinhas salgadas. É incrível encontrar um estabelecimento desse padrão 'perdido' ali na beira da estrada. Foi muito bom: além de esquentarmos, fomos bem servidos.


É enorme a quantidade de rios e lagos muito grandes que existem ao longo dessa estrada. Alguns que nos impressionaram o suficiente para anotarmos os nomes foram o lago Marsh, e os rios Teslin e e Rancheria. E Johnson's Crossing é o ponto de travessia do rio Teslin, com uma ponte com um piso horrível para motos: é uma grelha metálica, na qual a moto vai dançando - não se tem nenhum controle, só dá para segurar firme o guidão e esperar que a moto chegue ao outro lado.

Paramos uma segunda vez, depois de quase 180km de estrada - um outro local antes desse fechou em 2009, e há até uma reportagem num quadro sobre a fuga dos comerciantes à beira dessa estrada.

Não é difícil entender: perguntamos ao proprietário como era na época do inverno, ele falou que de setembro até maio ele fecha, pois no inverno a temperatura pode chegar a -40ºC e fica tudo embaixo de neve. Queríamos ter perguntado o que ele faz da vida nesses outros meses, mas achamos que seria muita intromissão.

Esse local chama-se Continental Divide, é um dos pontos por onde passa a linha que divide as bacias hidrográficas dos rios que correm para o Pacífico, Atlântico e Ártico.

Antes de chegarmos a Continental Divide, passou um harleiro todo tranquilo, com os pés descansando na pedaleira, a roupa de chuva parecia estar inflada com o vento. Ao pararmos encontramos com ele e comentamos das condições climáticas, ao que ele respondeu que para ele não tinha problema pois estava com calça, jaqueta, luvas e botas com aquecimento elétrico. Ah, assim é a história muda. Mas mesmo assim ficamos impressionados por ele estar viajando de capacete coquinho (para quem não conhece, são aqueles capacetes que só têm uma cobertura superior, sem viseira e sem queixeira). Aquilo deve pegar um vento miserável!

Durante a viagem estávamos comentando sobre esses equipamentos, e de repente caiu a ficha: esse pessoal está excepcionalmente equipado para enfrentar o inverno, mas estão usando... no verão!

Uma coisa que notamos foi o aumento de caminhões na estrada. Até Whitehorse foi bem raro cruzar com algum deles - ficamos até nos perguntando se essa estrada ainda tem alguma importância econômica. Mas nesse trecho de Whitehorse até Watson Lake cruzamos com mais de 50 caminhões. Voltamos a civilização, talvez?

Outro detalhe é que o pessoal por aqui não usa guarda-chuva, mesmo. Já havíamos percebido no Alasca, mas em Yukon também. Em Juneau até um prospecto turístico chamava atenção para essa característica do povo. Será que eles já se conformaram que no verão chove e caminham na chuva numa boa? Bem, a chuva que enfrentamos até agora não é forte, dá para encarar com um casaco e capuz impermeável, que é o que parece ser o que usam por aqui.


12/08/2011 - Sexta-feira: Watson Lake - Fort Nelson

O Sol!!! Hoje nós vimos o sol!!! Aleluia!!!

Saímos com aquela garoinha e 9ºC. Pensamos: será novamente um daqueles dias? O início foi até pior: depois de rodarmos 30km a pista estava em obras e só rodava uma faixa de cada vez. Foram 16 km em cascalho molhado, com o carro guia na frente. Esse pessoal por aqui é muito preocupado com segurança.

Depois velocidade normal: 100hm/h. Aliás, esses trechos com chuva foram muito desgastantes por causa da temperatura e da própria chuva, mas as tocadas continuavam muito boas: quase o tempo todo estávamos rodando nessa velocidade ou perto dela. Consequência da qualidade da estrada e do pouco movimento.

Aí o tempo ameaçou abrir e começou o espetáculo de fauna, relevo e flora. Primeiramente vimos um bisão, sozinho - até estranhamos, pois esses bichos andam em manada. Paramos e tiramos fotos. O tempo ficou melhor: na frente, lááááá na frente, via-se uma luz (do sol) no fim do túnel. Uau! Ficamos alegres e o ânimo melhorou muito!

Mais adiante vimos mais uns quinze bisões! Paramos novamente e mais fotos. Continuamos e vimos mais uns quarenta bisões!!! Paramos, novamente, e tiramos mais fotos. E aí comentamos: se o número desses animais continuar aumentando não conseguiremos continuar a viagem, pois eles tomarão contas da estrada! rsrsrs


A próxima aparição foi um urso que já estava indo para o meio da mata. Ele devia estar no acostamento da pista, pois um carro estava parado. Mas quando chegamos mais perto ele já estava no meio das árvores. Deu para tirar uma foto dele entre as folhagens. E só de poder vê-lo, já valeu - deu para apreciá-lo comendo suas plantinhas. Mais para frente vimos um caribu, que nem parou para documentarmos sua presença e depois, aconteceu um susto recíproco: um jovem alce e nós! Parecia que ele ia pular para cima de nós, mas ele simplesmente tinha se assustado e dado um impulso para frente. É muito gratificante poder ver esses animais em seu habitat.

O tempo abriu: SOL!!! Temperatura de 15ºC!!! Que gostoso! Mesmo com o vento ainda frio, aqueles raios nos aquecendo mudam completamente a sensação térmica! E pegamos mais algumas daquelas pontes de metal tão deliciosas para cruzar de moto. Que coisa mais chata e perigosa!

Na parada em um mirante, aprendemos - em todos os mirantes há placas explicando o que você está vendo, sempre há algo a aprender, é muito bom! - que a cor verde-jade das águas do rios é devido a partículas de rochas trazidas pela neve durante o degelo; as partículas maiores se depositam no fundo do rio, junto às pedras, mas as minúsculas ficam em suspensão e dão a cor as águas. E, diga-se de passagem, que cor linda!

Nesse trecho da Alaska Highway cruzamos as Montanhas Rochosas canadenses. Foi a primeira vez que vimos esse tipo de relevo e flora: em cima são rocha pura, contrastando com o verde da vegetação que fica na parte de baixo.


E foram duas passagens em passos, bem interessantes. Quando nos aproximávamos do primeiro, a visão à frente era de uma beleza assustadora: metade do céu era azul, e a outra metade um cinza pesado de chuva forte. A estrada estava molhada da chuva, temperatura caindo, e nós imaginando o que cairia sobre nossas daquela nuvem. A altitude chegou a 1.100 metros e a temperatura a uns 7-8ºC, mas não pegamos nenhuma chuva - felizmente. Chegando ao segundo passo, que era bem mas alto - quase o dobro - chegamos a pegar um pouco de chuva, mas curiosamente a temperatura nunca caiu abaixo de 12ºC. Difícil de entender...

E o momento em que choveu sobre nós foi fantástico: à nossa frente céu estava azul e praticamente limpo; olhando pelo retrovisor o céu também estava azul, e nós ali do meio da chuva e sob nuvens bem escuras.

Terminada a serra o tempo melhorou e a vegetação mudou, com muitos arbustos, muito mais flores e conforme nos aproximamos da cidade de Fort Nelson, foi surgindo uma zona agro-pastoril, com muitos cavalos e vacas pastando.

Para compensar as emoções negativas dos dias anteriores este foi um dia cheio de emoções muito bonitas. Chegamos cansados mas felizes.

Ah, e tivemos uma surpresa desagradável: está entrando água nas malas da moto. Não temos certeza ainda, mas acreditamos que o alumínio 'trabalhou' demais nessas variações de temperatura desde acima de 40ºC a zero ou perto disso (a moto ficava ao relento no Alasca e aqui) e deve ter rompido as vedações de silicone. O curioso é que entra água por baixo (deve ser água espirrada pelo pneu traseiro e por veículos que passamos ou nos passam): forramos o fundo das malas com um saco de lixo e tudo fica seco - a água fica toda por baixo do saco plástico. Temos que ver como resolver isso. Mas é uma decepção: compramos equipamento topo de linha da Touratech, e não esperávamos esse comportamento!


13/08/2011 - Sábado: Fort Nelson - Grande Prairie (AB)

Esse foi um trecho bem longo - 580 km. em oito horas - pois amanhã queremos seguir para Jasper, e o mapa marca essa estrada como secundária - ficamos com medo dela ser bem mais lenta que as que usamos até agora. Para evitar problemas decidimos uma jornada mais longa hoje.

Chegamos a duvidar que conseguiríamos: uns dez minutos depois de nossa primeira parada ficamos 35 minutos parados na estrada esperando liberação de um trecho em obras. A jovem da plaquinhá-semáforo até foi muito gentil e nos colocou na frente da fila para que não comessemos tanta poeira, mas o carro guia foi suficiente para nos cobrir de pó.

E achamos o verão no oeste do Canadá! É na Província de Alberta! Na realidade ele já começa na 'beirinha' da Columbia Britânica, a partir da cidade de Fort Saint John, e em Grand Prairie, já em Alberta, onde estamos, saímos para jantar às 20h de camiseta, calça jeans e chinelo.

Esta viagem é interessante, pois até uns vinte quilometros antes de Fort Saint John há ainda muita floresta, montanhas e aviso de animais selvagens na estrada. Conforme vamos nos aproximando da cidade começam os pastos e as plantações. A partir daí a região é fortemente agro-pecuária, com algumas indústrias também. Saímos da natureza e entramos na civilização. E não temos certeza de termos gostado! Respirando natureza estava mais gostoso!

Um detalhe que está ficando cada vez mais preocupante é o uso de cartão de crédito: para abastecer passamos o cartão na bomba de combustível e a venda é aprovada sem pedir PIN, assinatura ou o que seja Muito prático, rápido ... e assustador: se perdermos um cartão desses qualquer um faz a festa! Mesmo nos supermercados, muitas vezes, não é pedido senha nem assinatura! É muita confiança, mas quem acaba desconfiado somos nós!

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